Meu amigo Beija-Flor
Ouço o sinal da escola soar, cato meus materiais e como um passe de mágica estou a duas quadras do colégio em direção ao parque, onde encontrarei Lize e farei um pedido do qual ensaiei centenas de vezes. Apresso-me como um coiote. Meus pés sufocados com o tênis apertado, minhas mãos encharcadas de suor, coração acelerado, meus olhos capitando as pessoas me observarem, que provavelmente olhavam para trás para ver se eu estava correndo de algum ladrão ou se perguntavam: _Que tanto corre esse menino de mochila laranja?
Em meio à tamanha tensão, sinto alguém me seguindo, cronometrando meu tempo, contando meus passos. Passo os olhos ligeiramente, para saber de quem se trata. Ora, um formoso Beija-Flor, com seu bico longo, se desviando das árvores, rodeando as crianças que estavam em roda, desejando entrar na brincadeira. Quem passava nem o olhava, há tempo que as pessoas perderam o costume de observar a beleza, que a natureza nos dá, para visarem somente seus próprios interesses ambiciosos e destruí-la junto aos seus filhos. Pergunto-me: _O que faz esse beija-flor me acompanhando? Talvez seja meu anjo da guarda em novo formato. Por instantes esqueço de meu novo amigo.
Curvo na rua, já me aproximando do parque, olho para trás e não avisto mais o meu companheiro. Entro de baixo de um gigantesco guarda-chuva, formado por centenas de árvores, com cumpridos galhos, que dominam todo o quarteirão, cenário que até me conforta. Minhas mãos secam, meu coração desacelera, minha respiração se normaliza, a velocidade dos meus passos diminui lentamente, assim que vou chegando à beira da calçada, de paralelepípedo do parque. Finalmente chego ao meu destino. Sento no banco rústico e úmido, meus pés sapateiam de nervosismo, sobre as folhas secas no chão. Distraído, escuto umas batidas de asas próximas ao meu ouvido, olho curioso e noto que o meu amigo beija-flor apareceu e já estava novamente, rodeando crianças, todo feliz.
O ponteiro de meu relógio avisa que ela esqueceu-se de mim. Peço ao beija-flor para levar um bilhete, na ponta de seu longo bico. Num pedaço de papel que encontrei zanzando pelo parque, escrevo perguntando se ela ainda se lembra de mim e em seguida ponho, com muito cuidado, o breve bilhete no bico, do meu companheiro, que não se importa com o favor que o pedi. Mesmo com dificuldade em levantar voo, por causa do peso do bilhete, ele consegue. E por segundos desaparece vagarosamente, em meio à encantadora paisagem natural do parque.
O tempo anda e não vejo nem sinal do beija-flor. Pergunto-me: _Será que ela recebeu o bilhete? Pego no sono e acordo assustado com uma criança me cutucando, com sua mão suja de areia que me pergunta– O beija-flor que estava aqui é seu? A surpresa é tamanha que nem sei o que responder e logo devolvo: – Por que a pergunta? O que aconteceu com ele? O menino com os olhos arregalados com minha preocupação, apenas aponta o seu dedo em direção ao portão do parque, onde vejo o meu companheiro aparentemente, desmaiado na mão de uma moça, que o protegia com sua mão macia, que ao reparar seu rosto pude perceber, que essa moça se trata da Lize, por quem esperava e que demonstrou com seu gesto, como futura bióloga, ser socorrista, de meu companheiro, meu amigo, meu pequeno, beija-flor.
Vinícius Delfino