Laranjas e Memórias
04/09/2012 15:19
Três da manhã. O escuro naquela fazenda no Frade convida ao sono e traz consigo uma leve brisa gelada. Por entre as frestas da janela, gotas de lua iluminam meu rosto amassado, recém-acordado. Ainda sentia o cansaço em cada músculo do meu corpo.
Depois de alguns minutos, ouço a voz do meu pai. É hora de levantar para mais um dia de cansativo trabalho.
Depois de um rápido café da manhã, era hora de trabalhar. Descíamos para o pasto, carregando sacos de estopa dobrados. Meu pai descia na frente. Dizia que o escuro escondia perigos para um menino de oito anos como eu. O silêncio da madrugada rodeava-nos. Os únicos barulhos audíveis eram os grilos que cantavam felizes, e os sapos coaxando no ribeirão.
Depois de andarmos um pouco, em silêncio, chegamos. Mesmo na escuridão da noite podíamos enxergá-las. Redondas, amarelas, brilhantes e suculentas. Eram as laranjas mais doces daquela região.
Deixamos os sacos dobrados em um canto. Pegamos a velha escada, apoiamos em uma das altas árvores. Assim começava nosso trabalho. Enquanto meu pai subia nos pés e derrubava as laranjas, eu as catava, e colocava dentro dos sacos com cuidado. Uma, duas, três, dez, vinte, cinqüenta, cem, mil… Eram tantas que até perdia as contas.
O dia acordava esperto, a nos espiar por detrás dos morros. Seus raios claros pintavam as folhas das árvores de um leve brilho amarelo. Era um novo dia que se iniciava. No clarão da manhã era que a paisagem se tornava mais bonita. Todas aquelas árvores, de folhas densas e verdes, que balançavam de um lado para outro com a brisa matinal. E bem no meio delas, pequenos pontos amarelos. Aquela vasta plantação me fazia pensar no infinito. Um infinito quase perfeito.
E os sacos cheios daquelas formas redondas eram empilhados. Colher, colocar nos sacos, empilhar. Essa era a única tarefa durante todo o dia.
Quando chegava a noite, estávamos exaustos. Colocávamos os sacos nas costas, um por um, para levarmos até a cozinha. E como eram pesados! Quando subia o morro vagarosamente com um dos sacos nas costas, quase me esquecia de que eu ainda estava vivo.
Quando chegava em casa quase morto, minha mãe me esperava para o jantar.
Comia vorazmente.
Tomava banho gelado. Parecia que ele acordava minha alma. Depois deitava na esteira, cansado, e logo adormecia.
Três da manhã novamente. Mas dessa vez, acordava por conta própria. Meu pai já me esperava do lado de fora. Era o dia de vender nossas laranjas. Descíamos com os sacos novamente. Até a beirada do rio. E quando chegávamos, lá estava ela a nos esperar. A canoa, de madeira escura, flutuava devagar sobre o rio. Meu pai dizia que aquela era uma das melhores canoas que existiam. Tinha sido construída com muito cuidado, esculpida a partir de uma grande árvore de boa madeira.
Depois de colocar os sacos dentro da canoa, nós entrávamos. Papai era bom remador, trabalhava a muito tempo desse jeito e isso fez com que ele tivesse braços muito fortes e calos nos ombros. O balanço da canoa me dava frio na barriga.
Nosso destino era Cachoeiro. Demorávamos quase 6 horas viajando. Apenas as verdes paisagens nos distraía, ás vezes a linha do trem que passava ao longe. Depois de um tempo essa paisagem ia ficando para trás, revelando uma pequena cidade, ainda despovoada, mas que crescia.
Enfim, chegamos. Paramos no porto. Descarregamos a canoa. Eu ficava ali vigiando a canoa enquanto meio pai ia vender as laranjas no pequeno mercado do outro lado da estrada. No porto, havia de tudo. Pessoas vendiam uma porção de coisas: Galinhas, porcos, legumes, frutas. Era bom ver aquilo tudo. Velhas carroças passando, os carros levantando poeira, as moças bem vestidas, os homens de chapéu. Tudo aquilo parecia ser um outro mundo do qual eu ainda não fazia parte.
Alguns minutos depois, meu pai voltava satisfeito. Não era pelo dinheiro, pois o que ganhávamos vendendo alimentos era o mínimo para que a gente sobrevivesse. A satisfação era pelo fato de conseguir vender algo que ele mesmo plantou.
Essa é só uma das histórias que guardo com saudade dentro do meu coração. Uma história que tenho orgulho de poder lembrar, e que as laranjas não me deixam esquecer.
Por Eliane Lima de Aquino prof.Diego